"Essencial é arte sem egos, a teatralidade encenada com a alma, com o corpo e com o público. Assistir Dante´s Purgatorio ontem foi uma experiencia libertadora. Dante Alighieri, não é para qualquer um. Fato. Textos densos exigem compreendimento e paciência, mas o diretor Jorge Farjalla da Cia Guerreiro trouxe ao Purgatório da Divina Comédia uma interpretação contemporânea, lírica, humana, poética e
intensa, mas com uma brasilidade que traduz mais c
laramente as provações dos 7 Pecados Capitais e aproxima o público desse poeta que rompeu barreiras em sua época, e quebrou o paradigma que poesia só se fazia em latim. Inspirado pelo amor incondicional o Purgatório de Dante é uma obra incrivelmente interessante e, eu, mesmo nunca ter lido a Divina Comédia, saí de lá com claro entendimento da obra e com uma fome de devorar essa triologia. A trilha sonora do espetáculo é uma obra de arte a parte. De Pegando Fogo de Gal Costa a Like a Prayer de Madonna, dentre outras músicas instrumentais que vão dando aquele brilho a alma da obra, o público acompanhando a procissão das almas inquietantes na montanha do purgatório, vai se inserindo em cada pecado como se também estivesse vivenciando suas provações. Os atores o que falar? Todos "desconhecidos" da grande mídia e do público, mas com uma riqueza artística de emocionar. Eu se tivesse atuado nessa obra, sairia ao final do espetáculo morta com farofa, tamanho desgaste físico que eu teria. Fiquei impressionada com a preparação física que eles fizeram e gostei mais ainda de saber que fizeram com outro amigo querido meu Alexandre Franco no Gaff Studio em Copacabana. Resumindo, e fazendo um trocadilho redundante: ESPETÁCULO ESPETACULAR! Parabéns a todos e os espero para a nova temporada em Janeiro no Ação da Cidadania! Vocês alimentaram a minha alma como a muito não acontecia! Obrigada linda amiga Úrsula Cabral por mais esse espetáculo da Companhia! Sou fã do trabalho de vocês!"
Depois do inferno, o purgatório
0
Não existe uma alma sequer nesta vida que não se indague sobre a vida após a morte. Inferno, purgatório e paraíso são espaços os quais ninguém nunca viu, mas todos imaginam se existem de fato e como devem ser. Bem, o diretor/ator Jorge Farjalla mostra ao público a sua visão em relação a isso em “Dante´s Purgatorio”.
Eu já havia visto a primeira parte da trilogia “A divina comédia”, de Dante Alighieri, e tinha ficado bastante impressionada. Encenada no Parque das Ruínas, o diretor consegue muito bem utilizar o local, deixando o público angustiado com tudo o que ocorre ao redor deles. Aos poucos, seguindo os passos de Dante, os espectadores se vêem presos no inferno e presenciam as almas aprisionadas e ansiosas por uma saída, por uma luz, por uma salvação. A peça é toda trabalhada no dinamismo, deixando o texto, que é bem denso, mais leve e fácil de ser encarado.
Já na segunda parte, o purgatório, a levada foi outra. Nesta fase, os espectadores acompanham a “procissão” de Dante rumo ao paraíso, enquanto é acompanhado, mais uma vez, por seu mentor. Aqui, ele não se encontra em um local estático, como era o inferno, mas é uma fase de transição, em que apenas o arrependimento e o amor o farão chegar ao paraíso, caso contrário, voltará ao inferno.
Mais uma vez, a Companhia Guerreiro passa por um intenso trabalho de corpo, realizando movimentos quebrados (muito difíceis de serem executados) em contraponto com movimentos bem lentos. As almas percorrem os mesmos passos de Dante em um corredor imaginário, realizando uma procissão em busca da redenção, enquanto um anjo os mostra o caminho correto a ser seguido.
Bem, depois de dar um panorama da peça, agora vamos aos comentários. Os atores estão belíssimos. As atuações são impactantes. Desde o início, em que eles se aproximam do público, nos deixando desconfortáveis e angustiados (devido às roupas e aos movimentos), até o final, não há o que questionar. Eles incorporaram o que há de mais degradante para encenar aquelas almas perdidas. É de dar parabéns a todos eles igualmente.
O que me questionei foi justamente a presença do anjo. A atriz era portuguesa, com um sotaque muito forte. Não tenho problemas com sotaque, porém, quando têm algum sentido na peça. Neste caso, ficou um pouco destoante do resto da companhia. Além disso, havia imaginado um anjo mais calmo, que “seduzisse” Dante a continuar naquele caminho obscuro. Mas foi o oposto o que ocorreu. O anjo tinha quase uma aparição ameaçadora, assustando a todos e quase de forma agressiva. Não houve uma sensibilidade por parte dele.
Outro ponto foram os diálogos. Eu adoro teatro, porém, muitas vezes as falas não são ditas, mas declamadas. O texto da peça já é intenso, difícil e cansativo e se os atores não o falam com maior leveza e de forma mais natural, isso cansa mais ainda o público. Principalmente com o fato do dinamismo, tão forte na primeira fase, ser menos utilizado desta vez.
Além disso, ao final da peça, uma das atrizes fica nua, representando, ao meu ver, toda a purificação de Dante ao se arrepender de toda a sua vida mundana e desejar o perdão acima de tudo. Ali, ela é o simbolismo da purificação e o acompanha ao paraíso. Mas, eis que me questiono: por que apenas ela fica nua? Todos os que a acompanham também não poderiam ter ficado nus? Assim, todos entrariam iguais no paraíso. Senti falta disso.
Mas de forma geral, gostei muito da peça. Tem sido cada vez mais difícil ver hoje em dia peças em que o teatro, com toda a sua base grega, é realizado de maneira clara e bem executada. A produção é impecável (aproveitando muito bem o espaço e criando divinamente cenários apenas com a luz). Além disso, o diretor Farjalla aparece apenas ao final, na figura de diabo, mas rouba a cena. Ele sim fala o seu texto, sem declamá-lo, com um forte tom irônico e debochado, seduzindo não apenas Dante, mas a plateia em si. Impressionante!! Em poucos minutos, ele consegue conquistar a todos.
É uma peça que vale muito a pena ver. Eles voltam em janeiro de 2013. Não percam.